segunda-feira, 10 de março de 2008

DEVE HAVER DIFERENÇA NA FORMA DE UM ATOR REPRESENTAR/INTERPRETAR QUANDO O ESPECTADOR É UMA CRIANÇA E QUANDO É UM ADULTO?

A questão trazida à tona por esta pergunta é muito maior e muito mais profunda do que se pode pensar a princípio, pois sua resposta merece um mergulho naquilo em que um adulto difere de uma criança. Ter assuntos voltados à criança, e assuntos voltados ao adulto, literatura especializada, teatro especializado, interpretação voltada ao público infantil, são reflexos de uma sociedade que separa a infância da fase adulta. Quanto a isso, ofereço outra questão: foi a infância descoberta ou inventada? Talvez, ela tenha sido “descoberta” biologicamente pela psicanálise, porém, esta só foi “descoberta” a partir do momento em que se começou a se exigir da criança algo que esta não conseguia cumprir. Antes disso a questão era irrelevante. Sendo ela inventada, a situação se torna mais delicada, pois sendo ela um artefato social se coloca em questão a exacerbação e valorização de sua existência. Inventada, ou descoberta, sabe –se que é datada, e surge com a prensa tipográfica no século XVIII. Antes disso é impossível pensar na segregação de adultos e crianças, pois estes partilhavam do mesmo ambiente de informação, para acessá-la não havia restrição, ela vinha através de narrativas de contadores de histórias. Com a prensa tipográfica, surge o homem letrado, e para se ter acesso à informação era necessário aprender a ler. A partir disso começou-se a perceber que era necessário um tempo dedicado ao letramento dos novos, dessa forma surge a infância que separada os adultos, aqueles que sabem ler, das crianças, aquelas que não possuem o domínio da leitura. Esta perspectiva nos oferece certa liberdade de agir, e um questionamento sobre o que é oferecido às nossas crianças, já que a infância não é algo que sempre esteve aí, podemos reformulá-la e questioná-la, procurando formas de incluí-la ao invés de excluí-la da sociedade. E nos permite pensar nas razões que um ator tem em mudar a sua interpretação se diante de uma platéia adulta ou infantil, para que mesmo? Será que os gregos pensavam nisso? Até que ponto um ator que diferencia a sua interpretação de acordo com o público não o exclui? Talvez a intenção seja o contrário, mas pode acabar por excluir seu público da possibilidade de ver e pensar em coisas novas e excitantes.

Priscilla Carbone, atriz Cia. Dos Ditos Cujos. Abril de 2007.











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