segunda-feira, 10 de março de 2008

Reestréia: dia 15 de março de 2008.

De 15 de março à 27 de abril de 2008.
Sábados e Domingos às 16:30 hs.
Ingressos: R$ 8,00
As apresentações de 15 e 16 de março serão gratuitas.

Teatro Martins Penna

Largo do Rosário, 20 - Penha - Tel.: 2293 6630


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ATUAR DE DENTRO E ATUAR DE FORA: PODE UM PÁSSARO BICAR E OBSERVAR AO MESMO TEMPO?

A terceira possibilidade de compartilharmos Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor? com nossos espectadores efetiva-se a partir da ocupação do teatro Martins Penna, em São Paulo, de Março à Abril de 2008.
Para o cumprimento dessa temporada, alguns obstáculos se apresentaram: entre os mais desafiadores encontra-se o fato de termos de nos organizar a partir de uma nova ficha técnica, ou seja, a partir de novos integrantes no grupo, em substituição à dois antigos integrantes que não puderam assumir o compromisso dessa temporada. Para tanto, abrimos nosso trabalho a outros profissionais que por ele também se interessam, e, ao mesmo tempo, acabei por assumir mais uma responsabilidade dentro desse projeto: a da interpretação de um dos personagens da peça. Dessa forma, a partir do exercício de co-habitação entre a atividade de dirigir e interpretar uma personagem de um mesmo espetáculo, senti de forma profunda a premissa de Jerzy Grotowisk de que o ator deve ser ao mesmo tempo um pássaro que bica a outro que observa, afinal, ao mesmo tempo em que estava em cena, jogando com os demais atores, tive de ampliar minha visão para o todo também, como que observando de dentro e de fora da cena ao mesmo tempo. Isso acabou por exigir dos demais atores do grupo que ampliassem consideravelmente suas visões, inerentes à prática interpretativa, de dentro e fora do evento cênico.
Tal exercício trouxe-me a consciência de que essa necessidade de estar dentro e fora simultaneamente por parte do diretor pode ter sua parcela de perigo, pois necessita de sensibilidade a atenção ainda maiores por parte daquele que responde pelo desafio de organizar o caos artístico instaurado a partir do processo em curso. Contudo, quando o coletivo cênico atinge um estágio de maturidade em que o discurso artístico pretendido e suas inerentes escolhas estéticas são claros para todos os seus participante, o fato do diretor/ator estar dentro e fora ao mesmo tempo pode ser profundamente valioso, pois muitas questões que a visão que se limita a ver de fora não é capaz de encontrar respostas acabam sendo desvendadas! Assim, o acontecimento cênico apresenta-se de forma muito mais apropriada e consciente por parte de todos os integrantes do coletivo cênico, que necessitam estender seus olhares ao exterior para que supram a carência de uma direção que não mais tem seu foco totalmente voltado à essa tarefa.
Dessa forma, a partir do decantar dos frutos de um ano de apresentações, Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor? reestréia, como que reoxigenado eticamente e esteticamente pela entrada e saída de novos integrantes do fluxo da vida que o rodeia.
A sensação que nos solapa é a de que a dicotomia disseminada por muitos entre processo e o produto teatral traduz-se como a conseqüência de uma visão limitada e fragmentária do fazer artístico: o microcosmo do produto (da apresentação pública) está inserido no macrocosmo do processo teatral.
Sentimos, a partir de 15 meses de um trabalho intenso que se debruça sobre um mesmo fim, que um processo teatral quando desencadeado, não se finda após sua apresentação pública, nem ao término do período da oficina ou ao início de outro processo de imersão teatral. Continua enraizado em sensorialidades que proporcionarão, a partir dessa experiência, insights que perdurarão por toda uma existência. Recordamo-nos de nossas outras experiências, amadoras, ainda na escola, e profissionais: quantas imagens, quantas sensações, quantas fichas ainda caem depois de tanto tempo... Dessa forma, não existe um processo que culmina em um produto. Existem sim processos que se somam, se relacionam e se poluem, e que mesmo após a possibilidade de serem enriquecidos por uma apresentação pública, ainda apresentarão possibilidades e necessidades de reoxigenação, sobrevivendo e apimentando excitantes existências.


Sidmar Gomes, diretor e dramaturgo Cia. Dos Ditos Cujos.
Março de 2008.



O ENCONTRO DE UM TEATRO SEM FRONTEIRAS ETÁRIAS

Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor? surge como o primeiro trabalho da Cia. Dos Ditos Cujos, formada por atores e músicos, alguns na época ainda envoltos pela atividade acadêmica, outros já não mais, preocupados/ansiosos/angustiados por mergulharem no campo minado da experimentação artística.
Hoje o grupo ultrapassa os 15 meses de convivência, e o caminho empreendido por um trabalho intenso alarga-se na fronteira existente entre o não apressado, mas evidente, amadurecimento e a ânsia pelo encontro de respostas que nem sempre são evidentes. Por meio do processo de criação inicial do espetáculo, bem como de sua primeira temporada, em decorrência da aprovação do projeto no Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, graças à qual a pesquisa pôde se desencadear, e de suas segunda temporada, no Sesc Ipiranga, em Setembro de 2007, algumas questões que nos angustiavam tiveram suas respostas reafirmadas e experimentadas na prática; outras acabaram por surgir dotadas da efemeridade que amadurece; já outras, antes inexistentes, surgiram e sem respostas continuam a nos bem atormentar.
De uma forma em geral, percebemos que nossa busca por um teatro sem fronteiras etárias não se caracteriza apenas na transposição do fazer teatral para além do "espaço convencional", ou seja, apresentando-o em lugares e horários que compreendam diferentes faixas etárias. Tal busca demanda, principalmente, um cuidado e uma sensibilidade muito grande em sua produção. Um processo que entendemos como a busca por uma estética universal, que se preocupa com temas e concepções cênicas desprovidas de referências rígidas de espaço e tempo, que leva em consideração o suscitar de perguntas e reflexões pertencentes a diversas faixas etárias; e que encontra sua principal pertinência na riqueza do conflito gerado a partir do contato entre a visão cinza do adulto e a visão colorida da criança, que enxerga por cima de tons de vidas brancas, cinzas e pretas matizes de cores infinitas.
Tal trabalho aos poucos define-se a partir da integração entre diferente linguagens artísticas, como o teatro, a dança, as artes plásticas e principalmente a música; da não-formulação de um discurso didático e da não-preocupação com faixas etárias, mas da essência da arte e do ser humano, com seus sonhos e contradições.
Por meio desse percurso fica evidente que, os espectadores do espetáculo Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor?, compreendidos por crianças, jovens, adultos e terceira idade, ou seja, pessoas com graus distintos de vivência social e cultural, de acordo com suas diferentes possibilidades de apreciação, chegam a viver momentos de grande prazer por meio da elaboração das significações que mais lhe falam de perto.
E mesmo que as crianças ou os adolescentes “não peguem muita coisa”, ou que nesses indivíduos as sinapses não se deflagrem por inteiro, ou seja, por mais que não compreendam tudo, é fato que o público jovem é surpreendido e interrogado por meio do mergulho em uma ficção elaborada com extremo cuidado artístico, ampliando dessa forma de modo sensível suas referências sobre si mesmos e sobre os outros. Imagens dotadas de profunda poesia, que nem sempre encontram significação, uma vez que as atuais experiências de vida de alguns espectadores são insuficientes para que sejam capazes de executar tal nível de explicitação, mas jamais impedirão a apreciação e o encantamento. Uma vez essas poesias em imagens são gravadas na memória, certamente um dia serão decodificadas. E isso se efetiva enquanto arte em sua plena potencialidade, o compreender do mundo de forma gradativa ao longo do calmo degustar de uma existência.
Nosso teatro tem como um dos objetivos principais suscitar reflexões acerca do ser humano, cabendo a nós, artífices teatrais, formular, por meio de uma constante pesquisa da linguagem cênica, diversos pontos de vista sobre o homem atual. Nossas aspirações em dar forma a uma intuição ou a uma percepção, quando transformadas em acontecimentos cênicos são comunicadas a pessoas de idades diferentes e conseqüentemente percebidas de maneiras diversas, uma vez que cada indivíduo decodifica um sistema de signos por meio do conflito entre a realidade objetiva da obra de arte e sua própria vivência sócio-cultural. Quanto mais sentidos uma obra de arte possibilita, ou seja, quanto mais leituras ela permite, mais plena ela é. Classificar por faixas etárias é limitar, e a arte desconhece limites de significação.
Contudo, essa característica só é alcançada porque não nos preocupamos, ao longo de nosso processo de criação, com idades específicas, mas sim com o diálogo entre seres humanos dotados de sensibilidade, levando em consideração que anos de vida e grau de sensibilidade não são fatores diretamente proporcionais. Forte apelo musical e visual, dando grande peso a imagens ao invés da verborragia, pesquisa estética que poetiza sobre questões que permeiam diferentes vivências culturais, sociais e temporais, o entendimento e valorização da essência sensível do ser humano, edificados sobre o solo do extremo cuidado em sua produção, são alguns dos recursos identificados para que esse teatro sem fronteiras etárias seja alcançado. Não apenas para que um teatro sem fronteiras etárias seja alcançado, mas, principalmente, para que o público jovem, por meio de uma produção teatral de qualidade, e por isso possibilitada de se ver livre da marginalidade, participe efetivamente do movimento teatral e, entendendo o teatro como uma constante reflexão sobre as questões que permeiam a humanidade, participe dos debates sobre as circunstâncias da atualidade.
Algo que se tornou evidente aos nossos olhos a partir desse trabalho foi o fato de que: a infância é da ordem do “faz-de-conta”; o teatro, por sua vez, também é da ordem do “faz-de-conta”; portanto, o teatro é da ordem da infância, e o adulto, por questões que transcendem o entendimento racional, é incapaz de recusar um convite sincero e sensível à possibilidade de resgatar dentro de si a criança adormecida que há tempos esqueceu o prazer inerente ao brincar de “faz-de-conta”.
Antes de terminarmos, faz-se necessário esclarecermos e ressaltarmos alguns pontos anteriormente já tratados. Aos ouvidos de muitos, também preocupados com as questões que permeiam a criança, a existência de um teatro destituído de fronteiras etárias pode soar como uma idéia que endossa o declínio e o conseqüente “desaparecimento da infância”.
Contudo, a busca por um teatro sem fronteiras etárias não pretende transformar a criança em um adulto em miniatura, nem o adulto em um ser de idade avançada infantilizado. Reconhecemos a existência de um universo que permeia a idade adulta e de outro universo que permeia a idade infantil, dicotomia essa evidenciada principalmente por fatores biológicos, que determinam o avanço do ser humano de um nível de desempenho físico e intelectual para o seguinte. Esse fato tem como conseqüência a existência de formas distintas, mas nem por isso de importâncias e valores díspares, de se enxergar e se relacionar com o Universo maior que compreende tais universos particulares, à priori tão diferentes.
Reconhecemos também a possibilidade da existência de um teatro só para crianças e outro só para adultos, mas questionamos a real eficiência de uma modalidade artística assim bipartida, uma vez que quando um artista profere seu discurso, um discurso edificado sobre o campo do sensível, inerente a qualquer ser humano, ele o comunica a pessoas de idades diferentes que o interpretam de formas diferentes, ou seja, o artista não tem o controle sobre o processo dialógico estabelecido a partir de sua criação. Dessa forma, classificar uma obra de arte de acordo com faixas etárias específicas se traduz em uma postura que beira a arrogância, tendo como conseqüência possíveis distorções profundamente comprometedoras, como por exemplo, uma visão “infantilizada” da infância.
Idade adulta e infância compreendem universos distintos, mas que se cruzam constantemente. Tal entrecruzar se dá principalmente por perguntas que a criança já faz e que estão profundamente relacionadas ao universo que a idade adulta compartilha. É exatamente nesse entrecruzar de existências que mergulhamos, procurando uma estética que suscite respostas repletas de encanto, curiosidade e exuberância característicos do olhar infantil, para as perguntas que existem, mas jamais para as perguntas nunca feitas.


Sidmar Gomes, diretor e dramaturgo Cia. Dos Ditos Cujos
25 de Fevereiro de 2008



O DIÁLOGO COM O PÚBLICO

Desde o princípio, e pelo intensificar, a cada apresentação, do compartilhar direto com o público, percebemos que o diálogo entre a poesia existente em Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor? e seus espectadores acontece, e que o desencadear de experiências estéticas, de compreensão do mundo por meio dos sentidos, efetiva-se e traduze-se pelo brilho do prazer, encanto e quietude que alternaram-se nos olhos dos espectadores das mais diferentes faixas etárias que compõem as platéias de Amor que é de Mentira, ou Mentira que é de Amor?. Quietude que nos chama a atenção, pois segundo Orlandi (1997): “o silêncio é profundidade; as palavras movimento periférico”. Em um mundo em que a mudança e o caos são valores constantes e de grande peso, o silêncio torna-se zona de suspensão de um mundo que às vezes nos cansa e magoa. Para o mesmo Orlandi, o silêncio é “matéria significante distinta da linguagem”.
A constatação do embeber-se da poesia e do encontro de diferentes significados para os signos presentes em Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor? aconteceu por meio do questionar curioso e indireto, por parte da equipe artística da Cia. dos Ditos Cujos, aos espectadores ao final de cada apresentação de nossa primeira temporada. A seguir transcrevemos trechos de conversas que tecemos com alguns espectadores:

Entrevistador: Relate para mim alguma parte da peça que você que assistiu e gostou.
Bruno, 10 anos: Ah... A última parte, quando eles brincam de cabra-cega.
Entrevistador: O que você acha dela?
Bruno: Ah... Não sei... Mostra que a gente tem que ser amigo uns dos outros. Ah, mais ou menos isso!
Parque da Independência, 04/02/07.
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Entrevistador: A partir do que você assistiu: Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor?
Ludinéia, 31 anos: Amor que é de Amor! Tudo foi real, é assim que acontece, foi muito lindo.
Entrevistador: Fale para mim alguma parte da peça que você gostou.
Tâmara, 10 anos: A parte do amor. Aquela que a mulher ficou jogando um monte de coisas e eles ficaram adivinhando.
Entrevistador: A partir do que você assistiu: Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor?
Leandro, 28 anos: Amor que é de mentira. Porque vivemos vários amores que temos tanta certeza que são verdades, mas acabam sendo tantas mentiras. E as vezes vivemos cotidianamente verdadeiras mentiras que se tornam verdades e são camufladas através do amor.
Parque do Piqueri, 01/04/07.
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Entrevistador: A partir do que você assistiu: Amor que é de Mentira ou Mentira que é de Amor?
Douglas, 45 anos: Que pergunta filosófica, heim?! Mas eu diria que o amor é de mentira, porque nós interpretamos o amor. O amor é interpretável de acordo com a pessoa e com o momento, ele não fixo, ele não é extremamente real. Ele se enquadra de pessoa em pessoa, logo ele não existe, ele é de mentira.
Nina Truck, 76 anos: Depende da hora. Tem hora que o amor é de mentira e tem momentos que a mentira é de amor.
Hugueta Sendacz, 74 anos: Muito bem, achei linda essa definição. De fato tudo depende do momento, da pessoa com quem você está próxima, das circunstâncias, e o amor é lindo, sempre lindo, mesmo quando é uma mentira!
Parque da Luz, 14/04/07.


Sidmar Gomes, diretor e dramaturgo Cia. Dos Ditos Cujos.
18 de Outubro de 2007.




DEVE HAVER DIFERENÇA NA FORMA DE UM ATOR REPRESENTAR/INTERPRETAR QUANDO O ESPECTADOR É UMA CRIANÇA E QUANDO É UM ADULTO?

A questão trazida à tona por esta pergunta é muito maior e muito mais profunda do que se pode pensar a princípio, pois sua resposta merece um mergulho naquilo em que um adulto difere de uma criança. Ter assuntos voltados à criança, e assuntos voltados ao adulto, literatura especializada, teatro especializado, interpretação voltada ao público infantil, são reflexos de uma sociedade que separa a infância da fase adulta. Quanto a isso, ofereço outra questão: foi a infância descoberta ou inventada? Talvez, ela tenha sido “descoberta” biologicamente pela psicanálise, porém, esta só foi “descoberta” a partir do momento em que se começou a se exigir da criança algo que esta não conseguia cumprir. Antes disso a questão era irrelevante. Sendo ela inventada, a situação se torna mais delicada, pois sendo ela um artefato social se coloca em questão a exacerbação e valorização de sua existência. Inventada, ou descoberta, sabe –se que é datada, e surge com a prensa tipográfica no século XVIII. Antes disso é impossível pensar na segregação de adultos e crianças, pois estes partilhavam do mesmo ambiente de informação, para acessá-la não havia restrição, ela vinha através de narrativas de contadores de histórias. Com a prensa tipográfica, surge o homem letrado, e para se ter acesso à informação era necessário aprender a ler. A partir disso começou-se a perceber que era necessário um tempo dedicado ao letramento dos novos, dessa forma surge a infância que separada os adultos, aqueles que sabem ler, das crianças, aquelas que não possuem o domínio da leitura. Esta perspectiva nos oferece certa liberdade de agir, e um questionamento sobre o que é oferecido às nossas crianças, já que a infância não é algo que sempre esteve aí, podemos reformulá-la e questioná-la, procurando formas de incluí-la ao invés de excluí-la da sociedade. E nos permite pensar nas razões que um ator tem em mudar a sua interpretação se diante de uma platéia adulta ou infantil, para que mesmo? Será que os gregos pensavam nisso? Até que ponto um ator que diferencia a sua interpretação de acordo com o público não o exclui? Talvez a intenção seja o contrário, mas pode acabar por excluir seu público da possibilidade de ver e pensar em coisas novas e excitantes.

Priscilla Carbone, atriz Cia. Dos Ditos Cujos. Abril de 2007.